26 abril, 2012

Carta de Amor Oásis de Bethânia



Carta de Amor
Autor (música e letra): Paulo César Pinheiro
Texto: Maria Bethânia
criação: Marcelo Costa
músicos: Marcelo Costa / percussão
Maurício Carrilho / violão 6 e 7 cordas
Luciana Rabelo / cavaquinho
Jorge Helder / baixo


Não mexe comigo, que eu não ando só,
eu não ando só... eu não ando só.
Não mexe não...
Não mexe comigo, que eu não ando só,
eu não ando só... eu não ando só.Eu tenho Zumbi, Besouro,
o chefe dos Tupis,
sou Tupinambá.
Tenho os Erês, caboclo boiadeiro,
mãos de cura.
Morubixaba, cocares, arco iris,
zarabatanas, curare, flechas e altares.
A velocidade da luz, o escuro da mata escura,
o breu, silêncio...
a espera.Eu tenho Jesus, Maria e José
todos os pajés em minha companhia.
O menino Deus brinca e dorme nos meus sonhos,
o poeta me contou.Não mexe comigo, que eu não ando só,
eu não ando só... eu não ando só.Não misturo, não me dobro.
A Rainha do Mar anda de mãos dadas comigo,
Ensina o baile das ondas e canta, canta, canta pra mim.
É do ouro de Oxum
que é feita a armadura que guarda o meu corpo,
garante o meu sangue, a minha garganta.
O veneno do mal não acha passagem.
Em meu coração, Maria acende sua luz
e me aponta o caminho.Me sumo no vento, cavalgo no raio de Iansã
giro o mundo,
viro, reviro,
Tô no Reconcavo, to em Fez.
Voo entre as estrelas, brinco de ser uma,
traço o cruzeiro do sul com a tocha da fogueira de João Menino
Rezo com as três marias.
Vou além,
me recolho no esplendor das nebulosas,
descanso nos vales, montanhas.
Durmo na forja de Ogum.
Mergulho no calor das lavas dos vulcões,
corpo vivo de Xangô.Não ando no breu,
nem ando na treva,
é por onde eu vou que o Santo me leva...Medo não me alcança,
no deserto me acho.
Faço cobra morder o rabo,
escorpião virar pirilampo.
Meus pés recebem balsamos,
unguentos suaves das mão de Maria,
irmã de Marta e Lázaro
no oásis de Bethania.Pensou que ando só,
atente ao tempo
não começa, nem termina:
é nunca, é sempre!
É tempo de reparar na balança de nobre cobre
que o rei equilibra
fulmina o injusto, deixa nua a justiça.Eu não provo do teu fel,
eu não piso no teu chão,
e pra onde você for, não leva o meu nome não...Onde vai, valente?
Você secou, seus olhos insones secaram
não vêem brotar a relva que cresce livre, verde
longe da tua cegueira.
Seus ouvidos se fecharam a qualquer música,
a qualquer som.
Nem o bem, nem o mal pensam em ti.
Ninguém te escolhe,
você pisa na terra mas não a sente,
apenas pisa,
apensa vaga sobre o planeta.
E já nem ouve as teclas do teu piano.
Você está tão mirrado que nem o Diabo te ambiciona,
não tem alma,
você é o oco do oco do oco do sem fim do mundo.O que é teu já tá guardado,
não sou eu que vou lhe dar...Eu posso engolir você,
só pra cuspir depois.
Minha fome é matéria que você não alcança.
Desde o leite do peito de minha mãe
até o sem fim dos versos, versos, versos...
que brotam no poeta, em toda poesia
sob a luz da lua que deita na palma da inspiração de Caymmi.
Se choro, quando choro e minha lagrima cai
é pra regar o capim que alimenta a vida.
Chorando eu refaço as nascentes que você secou.
Se desejo, o meu desejo faz subir marés
de sal e sortilégio.Vivo de cara para o vento, na chuva
e quero me molhar.
O terço de Fátima e o cordão de Gandhi cruzam meu peito.
Sou como haste fina,
que qualquer brisa verga,
mas nenhuma espada corta.Não mexe comigo, que eu não ando só,
eu não ando só... eu não ando só.

(Maria Bethânia)