22 abril, 2013

A vida me fez artista, diz Zeca Pagodinho aos 30 anos de carreira

  • Cirilo Junior
    Cirilo JuniorDireto do Rio de Janeiro

Zeca Pagodinho já falava há quase meia hora na coletiva de lançamento de seu novo CD e DVD, Vida que Segue, quando, resignado, pediu um copo de água. Antes que os jornalistas presentes estranhassem, o irreverente cantor se apressou em explicar, dizendo estar constrangido em não pedir cerveja, sua bebida preferida.
“Tomei injeção, estou ruim da garganta, me vê uma água. É só hoje, até eu me vejo constrangido em fazer esse pedido. São ordens médicas. Mas se der bobeira, vou abrir uma escondido”, afirmou.
Foi nesse tom que Zeca lançou Vida que Segue, no qual interpreta, em gravação ao vivo, 19 clássicos do samba. A única inédita é a faixa que dá título à obra. Ao contrário de muitos artistas, Zeca Pagodinho não tem declarações prontas, não é político e não está preocupado em vender sua imagem. Em dado momento, questiona a sua condição de “artista”, já que, como mesmo diz, sai por aí, bebe cerveja e pega ônibus e van, como qualquer pessoa.
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“Esse DVD mostra onde comecei com minha paixão pelo samba, pela música brasileira. A partir daí, a vida me levou para esse lado. Não me fiz artista, a vida me fez artista, se é que posso ser considerado artista”, afirmou, em entrevista coletiva na qual apresentou seu novo trabalho.
Na obra, Zeca interpreta grandes sucessos do universo sambista, compostos por nomes lendários como Candeia, Cartola, Mário Lago, Noel Rosa, Ataulfo Alves e João da Baiana, entre outros. Para auxiliar nas interpretações, Zeca tem participações especiais de artistas do naipe de Paulinho da Viola e a Velha Guarda da Portela, Marisa Monte, Yamandú Costa, Hamilton de Carvalho e Roberto Menescal. Da nova geração, Leandro Sapucahy marca presença, numa escalação que conta até mesmo com Xuxa, a Rainha dos Baixinhos.
Estão lá versões refinadas de Gosto de me Enrosco, de Sinhô; Preciso me Encontrar (Candeia), ao lado de Marisa Monte, Yamandú Costa e Hamilton de Carvalho; Diz que Fui por Aí, de Zé Keti; O Sol Nascerá, de Cartola e Elton Medeiros; Foi um Rio que Passou em Minha Vida, de Paulinho da Viola; Trem das Onze, de Adoniran Barbosa; e Aquarela do Brasil, de Silas de Oliveira, entre diferentes clássicos.   
“Muita música que está ali eu cantava em casa, mas só sabia o refrão, a parte mais marcante. Na segunda parte, tinha que perguntar à minha mãe, aos meus primos. O grande medo era chegar na hora da gravação e começar a errar”, confessou.
Esse medo era particular por Mascarada, de Zé Keti e Elton Medeiros. No usual tom descontraído, Zeca a apelidou de a canção “lexotan” do disco, pelo temor em não conseguir aprender a cantá-la. Segundo o cantor, a canção foi tão ouvida que seus filhos se cansaram dela e pediam que a faixa fosse mudada. 
“Fiquei sem dormir, tive que tomar calmante por causa dela. Não ia estragar uma música que Emilio Santiago e Zé Keti gravaram. E se eu errasse? Mas eu gravei de primeira. Antes, ouvi umas 500 mil vezes. Uma vez fomos para Búzios e as crianças diziam para eu tirar. Elas já sabiam, e eu não” comentou.
Pagodinho brincou com o fato de não beber cerveja durante coletiva: "ordens médicas" Foto: Daniel Ramalho / Terra
Pagodinho brincou com o fato de não beber cerveja durante coletiva: \"ordens médicas\"Foto: Daniel Ramalho / Terra
Escolher 19 músicas consideradas clássicas em meio a centenas de canções famosas do mundo do samba poderia ser uma tortura para muitos. Não para Zeca Pagodinho. Segundo o cantor, o grande número de músicas colocadas em pauta possibilitou que várias reuniões fossem feitas para se chegar a um número final. E reunião, para Zeca, significa risadas, conversas e muita cerveja.
“A gente sentava para beber, comer e falar do disco. Então, quando não fechava, a gente ia lá de novo. Reunia, conversava e bebia. Gosto quando tem muita música, que aí dá para ter mais reuniões, dá para festejar mais”, salientou.
Zeca tem muitos ídolos no samba e pôde contar, no palco, com boa parte deles na homenagem à Portela, escola de seu coração. Em Foi um Rio que Passou em Minha Vida, dividiu o palco com Paulinho da Viola, autor da canção que exalta a azul e branco de Madureira, e a Velha Guarda da escola. O cantor mostra um brilho nos olhos ao falar dos sambistas antigos da agremiação que mais vezes ganhou o Carnaval carioca.
“Quando a gente vê a Velha Guarda cantando, impressiona. Eles têm a organização própria deles. Há um respeito, uma coisa meio mística, aqueles caras são como entidades. A roupa ajeitada, todos engomadinhos. É uma preciosidade”.
Em 2013, Zeca completa 30 anos de carreira. Questionado sobre as principais lembranças e os altos e baixos de sua trajetória, faz piada com sua predileção por cerveja, lembra de certos exageros, mas garante que faria tudo novamente.
“Quando boto a cabeça no travesseiro, tenho altos e baixos porque bebo muito durante o dia, e tenho altos e baixos à noite. Mas, musicalmente, tenho muitas lembranças boas. Saía e voltava sete dias depois. Mas faria tudo outra vez. Quando conheci o Beto Sem Braço (sambista já falecido), fiquei dois meses sem ir em casa. Na minha, porque ia na dos outros”, contou, arrancando gargalhadas da plateia.
O panorama do mundo é bastante distinto do observado há 30 anos. Especialmente no campo tecnológico. Zeca, no entanto, dá de ombros e, do alto de sua simplicidade, mostra que desconhece completamente o uso da internet e das redes sociais. Quando é informado que tem 500 mil seguidores no Facebook, não parece se impactar muito com a informação.
“Não tenho nem ideia do que é isso. Agora é tanta coisa, é Orkut, é Facebook, que aporrinhação, meu deus... Poderia ser uma coisa só”, observou.
Questionado sobre como se vê daqui a 30 anos, cita a Velha Guarda da Portela como exemplo, e revela um simples desejo. “Quero continuar tomando um belezol [gíria para cerveja]. Se eu ficar bacana, está tudo bem”, completa, saindo aplaudido da entrevista coletiva.
Terra



Viva Clara Claridade