26 abril, 2013

Clara Nunes, 25 anos depois

A biografia "Guerreira da Utopia", sobre a trajetória da cantora, abre a temporada de homenagens à sambista

Divulgação
Clara Nunes em uma das fotos que estão no livro 'Guerreira da Utopia'
Antes de começar a ler este texto, abra esta janela  e deixe que a música guie a sua leitura. Ouviu? É Clara Nunes, de quem ainda se ouvirá muito falar daqui até 2008, quando se completam 25 anos da morte da cantora identificada com o samba em geral e a Portela em particular. O pontapé inicial para as homenagens foi dado pelo livro “Guerreira da Utopia”, biografia escrita pelo jornalista Vagner Fernandes, depois de quatro anos de pesquisa.


Antes de ser lançado - a festa está marcada para 6 de outubro, na quadra da Portela, em Madureira -, o livro já virou assunto, ao retomar a causa da morte de Clara Nunes - de choque anafilático, no dia 2 de abril de 1983, quando ela tinha 40 anos - e relembrar a polêmica em torno do posto de melhor cantora de samba do país, disputado por ela e Beth Carvalho.

Mas, mais do que polêmico, "Clara Nunes - Guerreira da Utopia" quer, simplesmente, reconstituir a trajetória de um dos grandes nomes da música brasileira e, talvez, proteger a memória do chamado mundo do samba.

"Acho que há um conceito pré-estabelecido de que personagens ligados ao tradicional universo do samba não despertam mais interesse no grande público. Isso é uma inverdade, algo completamente sem fundamentação", diz. Mesmo assim, o autor ressalta: "Em 2008, fará 30 anos que Candeia morreu. Alguém lembra disso? Há dois anos, completou-se uma década de morte de Roberto Ribeiro. Fizeram algo?"


"Se a obra da Clara foi resgatada em CD agradeçam a Marisa Monte que, em 1997, durante uma entrevista para o lançamento de um de seus álbuns, disse que Clara era um personagem importantíssimo para a música brasileira e cuja obra deveria ser resgatada", completa Vagner Fernandes. 

  VÁRIAS FASES DE CLARA NUNES

À primeira vista, o tamanho do volume assusta. Mas o passeio pelas 320 páginas e 20 capítulos do livro corre fácil, ajudado por um conjunto de fotos que mostra Clara Nunes em diversas fases da carreira: no palco, no samba, em Cannes, com Gal Costa, Paulinho da Viola, Paulo César Pinheiro, Braguinha, Chico Buarque....

“Eu era fascinado pelo personagem Clara. Mas, no livro, procurei desvendar a mulher Clara Nunes que se encontrava por trás do personagem, com todas as suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Era uma mulher como qualquer outra. Enfrentava conflitos emocionais, idolatrava a maternidade, amava, sofria, sonhava”, conta Vagner Fernandes ao EGO.


Leia a seguir os principais trechos da entrevista do escritor: 

O que o levou a escrever sobre Clara Nunes?

A Clara sempre me fascinou. Mas a Clara que eu e outras pessoas da minha geração conhecíamos era o personagem, com vestimentas brancas que remetiam às roupas das filhas-de-santo da umbanda e/ou do candomblé. Há quatro anos iniciei a pesquisa para a redação da biografia a partir de um material com imagens raras dela que chegou até mim. Fiquei estarrecido com a atemporalidade de Clara, uma cantora ainda tão presente e cuja obra se mostra para lá de atual.


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Vagner Fernandes, autor da biografia de Clara Nunes, na quadra da Portela


"A Clara sempre me fascinou. Mas a Clara que eu e outras pessoas da minha geração conhecíamos era o personagem, com vestimentas brancas que remetiam às roupas das filhas-de-santo da umbanda e/ou do candomblé"

Aquelas imagens remeteram à minha infância, quando meu tio (e padrinho, um dos diretores de Harmonia da escola na época) e minha mãe me levaram à quadra da Portela. A Clara estava lá, num palanque, cantando. Eu fiquei hipnotizado quando vi aquela mulher, linda, lá em cima, toda de branco, com aquela energia cênica incrível. Estava fascinado com a cantora que eu tanto admirava nos clipes do “Fantástico”. Todos estes fatores me levaram a pesquisar mais e mais, a ir em busca de informações que me direcionassem para a descoberta de quem era aquela mulher que todos idolatravam, mas cuja história encontrava-se dispersa, sem registro no mercado editorial.

Quais foram suas fontes de pesquisa? 
Minhas fontes de pesquisa foram basicamente os personagens que conviveram com a Clara. Não poderia ser de outra forma, já que, como enfatizei, não há registro da trajetória da Clara no mercado de livros. Foram quatro anos de árdua pesquisa, 300 entrevistas que totalizaram cerca de 400 horas de depoimentos. Um personagem me levava a outro, que me apontava outro e assim sucessivamente. Foi extraordinário este processo. Alguns livros me ajudaram bastante como "Candeia, luz da inspiração", de João Baptista Vargens, e "Natal, o homem de um braço só", de Hiram Araújo.


Reprodução
A capa do livro sobre Clara Nunes
Na sua opinião, por que demorou tanto tempo para Clara Nunes ter uma biografia? 
Acredito que pela complexidade de se reunir elementos que pudessem reconstruir sua trajetória. Eu fui a praticamente todos os lugares pelos quais ela passou e/ou viveu em busca de personagens que pudessem contar e/ou reconstituir os fatos. Isso dá trabalho e requer investimento. Neste caso, todo o processo de pesquisa eu banquei do meu próprio bolso. Nas férias, em vez de descansar, partia rumo aos locais nos quais poderia encontrar episódios importantes sobre a personagem. Por outro lado, também acho que há um conceito pré-estabelecido de que personagens ligados ao tradicional universo do samba não despertam mais interesse no grande público. Isso é uma inverdade, algo completamente sem fundamentação. Em 2008, fará 30 anos que Candeia morreu. Alguém lembra disso? Há dois anos, completou-se uma década de morte de Roberto Ribeiro. Fizeram algo? Lançaram uma coletânea de duetos e recentemente um DVD do programa Ensaio. Roberto tem uma obra bela, assim como Candeia e tantos outros, com discos importantíssimos. Clara, por exemplo, não tem DVD mercado. E olha que há muita coisa boa, sobretudo nos arquivos de TV. Só os clipes do “Fantástico” dariam um DVD incrível. Há um especial da Band, de 1973, dirigido pelo Roberto Oliveira, também maravilhoso.


"Se a obra da Clara foi resgatada em CD agradeçam a Marisa Monte que, em 1997, durante uma entrevista para o lançamento de um de seus álbuns, disse que Clara era um personagem importantíssimo para a música brasileira e cuja obra deveria ser resgatada"

Se a obra da Clara foi resgatada em CD agradeçam a Marisa Monte que, em 1997, durante uma entrevista para o lançamento de um de seus álbuns, disse que Clara era um personagem importantíssimo para a música brasileira e cuja obra deveria ser resgatada. A EMI então remasterizou todos os discos, convertendo-os em CD, mas a tiragem limitada da coleção - apenas 5 mil CDs de cada título - tornou o material raro. Em abril de 2008, serão lembrados os 25 anos de morte da Clara. Espero que o livro sirva como pontapé inicial para que outros projetos sejam postos em prática.

Qual o traço mais marcante que ficou para você da personalidade de Clara Nunes? 
A generosidade e o fato de ela ser uma pessoa absolutamente crente no seu ofício. Por isso, o “Guerreira da Utopia” (título do livro). Clara acreditava nos amigos, no amor, no seu canto como instrumento de conciliação, na sua arte como veículo de transformação social.


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A cantora Clara Nunes, que morreu em 1983
Quando ela morreu, em 1983, em você tinha 10 anos. Já era fã? 
Eu era fascinado pelo personagem Clara. Era aquela imagem que nos deixava embevecidos. A mim e a minha família. Mas, no livro, procurei desvendar a mulher Clara Nunes que se encontrava por trás do personagem, com todas as suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Era uma mulher como qualquer outra. Enfrentava conflitos emocionais, idolatrava a maternidade, amava, sofria, sonhava. O meu trabalho foi pautado pela seriedade e respeito em apurar fatos. Fossem eles "doces" ou "amargos".

"No livro, procurei desvendar a mulher Clara Nunes que se encontrava por trás do personagem, com todas as suas virtudes e defeitos, alegrias e tristezas. Era uma mulher como qualquer outra"


Além da polêmica com Beth Carvalho, pela disputa do posto de maior cantora de samba, quais outras polêmicas você acredita que o livro vai levantar?


Sinceramente, não vejo a história da Beth com Clara como algo polêmico. Aquilo aconteceu e ponto. Eram duas artistas em busca da delimitação de seus espaços. É importante enfatizar que elas sempre se respeitaram (e muito) apesar das divergências. O livro não tem proposta de levantar polêmicas, mas de procurar ser fiel à história do personagem. E, claro, para ser fiel, os dissabores também precisam ser narrados.

http://ego.globo.com/Gente/Noticias/0,,MUL321107-9798,00-CLARA+NUNES+ANOS+DEPOIS.html


http://www.vilabrasilsantamaria.blogspot.com.br/

http://ricardodsantos.zip.net/arch2006-04-01_2006-04-30.html


Viva Clara Claridade!!! Viva Arte / Cultura!!!