07 abril, 2013

NO BRASIL NÃO HÁ BONS ROTEIRISTAS - Fábio Porchat, ateu famoso

Foto: TV Globo / Alex Carvalho
Fabio Porchat fala sobre humor na web e na TV e a necessidade de um ministro da Cultura que goste do cargo.
Responsável por roteiros de grandes comédias atuais, Fábio Porchat tem um lema: não permitir que sua liberdade de criação seja tolhida. Integrante do elenco e roteirista do sucesso de bilheteria Vai Que Dá Certo– filme que, nos primeiros três dias, levou mais de 400 mil espectadores aos cinemas –, o comediante faz questão de ter independência para trabalhar em diversos projetos simultaneamente.
Na Globo desde 2002, é conhecido menos por seus trabalhos em Zorra Total e mais por ser um dos criadores do fenômeno Porta dos Fundos. O canal de internet – que disponibiliza dois vídeos de humor por semana – é um sucesso não só de público, mas também de crítica. Porchat defende que o programa chegou para “colocar uma pedra no limite do humor”. E, como todo sucesso, terá de saber como se reinventar.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Como é fazer cinema?
Muito divertido. É muito legal passar na telona, sabe? É diferente, mais uma plataforma. Claro que, na TV, em A Grande Família, por exemplo, sou visto por 50 milhões de pessoas. No cinema, se for visto por 5 já seria ‘eu sou um sucesso retumbante’. Mas a questão não é essa. A questão é o apuro, entrar naquele papel, naquele personagem.
Você é funcionário da Globo. Como tem autonomia para fazer tantos projetos paralelos?
Todos os meus contratos têm permissões. No contrato com A Grande Família está escrito que posso fazer Porta dos Fundos. No contrato do Multishow, posso fazer Globo e etc. A última coisa que eu quero é ser tolhido, não ter liberdade. Me sentiria péssimo. Sou um artista que corre atrás dos meus projetos independentes.
Como será o filme do Porta dos Fundos?
Vamos rodar este ano para lançar no ano que vem. Com os mesmos roteiristas, atores e com a mesma pegada.
Vocês se divertem muito na hora de escrever juntos?
Rimos sem parar.
E agora vão investir na produtora do Porta dos Fundos?
Todo o dinheiro que ganhamos vamos investir. Estávamos em uma casinha no centro (do Rio de Janeiro) e vamos para um prédio. Tínhamos dez pessoas trabalhando; agora, somos 40. Tem figurinista, maquiador…
Vocês usam muitas referências bíblicas. Qual dos roteiristas tem esse conhecimento?
Eu. Talvez porque seja ateu… Eu escrevi agora um com Noé, um com Abraão e um com José e Maria. E olha que eu só li alguns trechos, mas leio a Bíblia com muita curiosidade.
Sua família é religiosa?
Não, nem um pouco. Acho muito curioso uma pessoa ser religiosa, fico muito impressionado. Mas acho que o comediante tem de estar antenado em tudo. Tudo é material para uma piada.
Foi a primeira vez que um programa de internet ganhou o prêmio APCA. Você acha, agora, que a internet vai ser uma plataforma mais explorada pelos artistas?
A internet não vai ser nada – já é. É o presente. Avenida Brasil, da Globo, foi a novela mais falada na internet e teve um ibope pior do que Fina Estampa. Isso mostra que o público está mudando.
E o conteúdo?
Acho que a qualidade do conteúdo para internet tende a crescer. Escolhemos o nome Porta dos Fundos porque pensamos que a internet é a porta dos fundos. Entramos mesmo com o pé na porta.
Esperavam esse sucesso?
Desse jeito, não. É um público diferente, da própria internet, não são adolescentes. Nosso público varia de 20 a 50 anos e estava carente de um conteúdo de humor na internet.
E as participações de outros atores, como Maitê Proença?
A Maitê pediu para fazer um vídeo… A classe artística gosta muito do Porta dos Fundos e vem falar com a gente. Fico super feliz com isso. Porque conseguimos agradar o público, a crítica e a classe. Sem pretensão. Falamos o que achamos engraçado. Entretanto, sei que é difícil e isso não vai durar para sempre. Temos de saber nos reinventar, mas, por enquanto, a coisa está indo bem.
Vocês têm planos de migrar para a TV ou acham que o formato de esquetes curtas não funcionaria na telinha?
Já recebemos propostas de várias emissoras, abertas e fechadas, mas não queremos fazer o que já fazemos na internet. Para que concorrer com a gente mesmo? Mas, como uma trupe para televisão, poderia ser legal fazer um programa de dramaturgia, por exemplo…
Tipo Casseta & Planeta?
Não. Tipo Os Normais, Uma Família da Pesada, The Office. Essas são as nossas referências. Fazer uma dramaturgia, só que no estilo South Park.
Vocês têm patrocinadores?
A gente não tem patrocínio na internet. O que acontece é que as empresas nos contratam para fazer vídeos para elas. Por exemplo, a Fiat contratou a gente, o Bis também. E são eles que lançam. No nosso canal, não lançamos propaganda.
Vocês tocam em assuntos sensíveis, mas nunca foram alvo de críticas, como colegas de outros humorísticos.
Qual é, na sua opinião, o limite do humor?
Acho que o Porta dos Fundos, por exemplo, é a resposta a esta pergunta.
Mas vocês, quando escrevem, pensam que algumas piadas podem pegar mal?
Não. Já falamos da Ku Klux Klan, da Bíblia, de racismo, de Moisés. Ou seja, assuntos que poderiam ser polêmicos. O Bruno Mazzeo disse que o Porta dos Fundos veio para botar uma pedra nesse assunto. Qual o limite do humor? Porta dos Fundos fala de temas super polêmicos e nunca ninguém processou, brigou, nunca saiu…
Por quê? Acha que o limite é não ter graça?
Acho que, no nosso caso, somos cinco cabeças pensando. Cinco sócios. Então, é difícil uma coisa passar despercebida. A gente tem batido em coisas que, na verdade, merecem apanhar. No idiota que inventou a Ku Klux Klan, no padre pedófilo. Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso (risos). Mas, de um modo geral, a gente vai fazendo, vai falando.
Não houve uma situação em que vocês falaram “isso não”?
Já. E a gente não fez.
A Maitê procurar vocês, por exemplo, é uma coisa que não costuma acontecer no Brasil. Já nos EUA, os políticos vão aos programas humorísticos.
No Brasil, estamos começando e fico orgulhoso de saber que o Porta dos Fundos está abrindo essa… porta. O brasileiro não sabe rir de si mesmo, entendeu? O pessoal do Casseta ainda fazia isso, com atores da Globo. Tony Ramos foi falar que era peludo no Casseta & Planeta… Isso é legal, ser bem-humorado.
E você está antenado nas correntes de humor fora do Brasil? O que você assiste?
Fico bastante ligado, sim. Eu assisto muito a Louie, do Louis C.K.; Uma Família da Pesada sempre; South Park, que é um humor barra-pesada… Mas é demais, num grau que eu falo “meu Deus, como eles fazem uma coisa dessas?”. Mas eu gosto, adoraria escrever para um seriado como esses lá fora.
Já teve alguma proposta?
Não, não…
Temos uma boa escola de roteiristas no Brasil?
Não. No Brasil, as pessoas não estão nem aí para roteiro. É um país que não lê. E que, até pouco tempo, tinha um presidente que se orgulhava de dizer que não lia. Por isso eu fico feliz que a Dilma vá ao teatro, leia, inaugure museu com a perna quebrada. Acho que é um exemplo. Nos Estados Unidos, quando tem greve dos roteiristas, para o país! O David Letterman vai na frente da câmera e fala: “Eu não posso fazer meu programa hoje, pois não tenho roteirista. Muito obrigado, tchau”. Aqui, se um roteirista entrar em greve, as pessoas falam: “Ah, chama um tio meu que escreve umas piadas engraçadas”. E leva o cara.
E a nova lei da TV a cabo? Acha que pode ajudar na formação de bons roteiristas?
Acho muito boa. Porque os brasileiros vão aprender que escrever também é prática. Quando eu digo que a gente não tem bons roteiristas, não estou me colocando entre os bons, não. Estou dizendo que eu também tenho meus problemas. Queria muito, por exemplo, fazer um curso nos Estados Unidos, ficar lá seis meses num curso de roteiro, de imersão… Porque acho que preciso, estou começando. Eu sou inexperiente, não sei nada ainda.
O que acha do Vale Cultura?
Estou feliz com o Vale Cultura. Acho ótimo ter revista e jornal, mas acho que se deveria incluir TV a cabo também. As pessoas têm de ter liberdade para escolher o que querem fazer com o vale.
Então, você aprova a gestão da Marta Suplicy?
Eu gosto da Marta. Acho que o grande problema é que ninguém quer ser ministro da Cultura no Brasil. A Marta “está” ministra da Cultura. Amanhã, ela sai candidata a senadora. Queria alguém que quisesse ser, durante oito anos, ministro da Cultura. Não adianta a pessoa “estar” ali e tomar umas medidas, entende? Eu queria que a Marta comprasse a briga, que ficasse até o final do governo Dilma e mais quatro anos, caso a presidente se reeleja. Aí eu acharia bom./MARILIA NEUSTEIN