03 abril, 2013

O estado do Estado laico, ou: recordar é viver - Carlos Orsi

Setores do movimento evangélico brasileiro vêm adquirindo uma reputação -- não de todo imerecida, diga-se -- de inimigos do Estado laico. Por contraste, o catolicismo começa a a parecer até "manso", e não é difícil encontrar nas redes sociais alusões a uma suposta "ameaça evangélica" às liberdades civis e republicanas. 

Minha impressão, no entanto, é a de que os evangélicos estão apenas pagando o preço de chegar tarde à festa, e que quando se trata de violar a liberdade alheia não existe, de fato, religião "mansa". Abaixo, alguns casos em que liberdades básicas de um Estado supostamente laico -- de investigação científica, de crítica, de expressão artística -- foram violadas, no Brasil, por motivos religiosos. E o único evangélico que teve algo a ver com qualquer um deles foi, no fim, a vítima.



1986: Recém-saído de uma ditadura de duas décadas, o Brasil ressuscita uma das marcas do período autoritário, a censura de artes e espetáculos, para evitar a exibição do filme Ave-Maria, de Jean-Luc Godard, considerado ofensivo aos católicos.





1995: Chute em imagem de gesso de santa católica leva a comoção nacional. Pastor Sérgio von Helde é condenado em público por figuras que vão de Afanásio Jadadzji ao então presidente Fernando Henrique Cardoso. O ato é tratado como um escandaloso caso de "intolerância religiosa". Von Helde acaba condenado à prisão (o que, curiosamente, não é visto como uma reação intolerante), mas uma série de apelações e a morosidade da justiça brasileira atuam a seu favor. Hoje, segundo a Wikipédia, vive nos EUA.




2005: O então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, católico fervoroso, vai ao STF para tentar invalidar a lei que autoriza pesquisas científicas com células-tronco. A Advocacia-Geral da União contesta a tese de Fonteles, denunciando-a como "embasadas na doutrina católica" e, portanto, sem valor jurídico num Estado laico. O STF acaba concordando com a Advocacia-Geral, mas só em 2008. Os prejuízos para a ciência brasileira, nesse meio-tempo, são imensos.




2006: Protestos de católicos levam o Banco do Brasil (empresa estatal de um Estado laico) a censurar as obras "Desenhando com Terços", da artista plástica Márcia X, de sua mostra sobre arte erótica. 


2008: Decisão judicial, em ação impetrada por padre católico, proíbe a Editora Abril de reutilizar as fotos da atriz Carol Castro segurando um terço, publicadas originalmente na revista Playboy, e impede ainda a realização de futuros ensaios fotográficos para a revista masculina envolvendo objetos de culto religioso.



De: Carlos Orsi (noreply@blogger.com)
Para: cidad3@yahoo.com.br