20 janeiro, 2015

Elis Regina e Clarice Lispector.

Elis Regina: "Separarme del escenario sería lo mismo que castrar a un semental" "Acho que me separar do palco é a mesma coisa que castrar um garanhão" /entrevista de Clarice Lispector (español-Português), Revista Manchete 1969 /Editora Rocco 2007 

 




Pequenina, de traços delicados, cabelo cortado rente á cabeça, movimentos livres, gesticulando um pouco, com uma inteligência alerta e rápida, facilidade de expressão verbal – eis Elis Regina, pelo menos uma delas.

CLARICE LISPECTOR: Por que você canta, Elis? Só porque tem voz magnífica? Conheço pessoas de ótima voz que não cantam nem no banheiro.

ELIS REGINA: Sei lá, Clarice, acho que comecei a cantar por uma absoluta e total necessidade de afirmação. Eu me achava um lixo completo, sabia que tinha uma voz boa, como sei, e então essa foi a maneira para a qual eu fugi do meu complexo de inferioridade. Foi o modo de me fazer notar

CL: O que é que você sente antes de enfrentar o público: segurança ou inquietação?

ER: Inquietação. Sou segura em relação ao que eu vou fazer, mas profundamente inquieta quanto a reação das pessoas que me ouvirão.

CL: Se você não cantasse, seria uma pessoa triste?

ER: Seria uma pessoa profundamente frustrada e que estaria buscando uma outra forma de afirmação.

CL: Qual seria essa outra afirmação?

ER: Não tenho realmente a menor idéia, porque eu me encontrei tanto nessa de cantar que nunca pensei nisso.

CL: Você tem um tipo extrovertido. É o natural em você ou você se faz assim a si mesma para não se deprimir, ou seja, fala tudo para não ficar muda?

ER: Sou um ser do tipo sanguíneo que oscila muito. Tenho momentos de extrema alegria e momentos de profunda depressão. Não obedeço a uma agenda: hoje vou sentir isso, amanhã vou sentir aquilo. Reajo aos acontecimentos à medida em que o ambiente reage sobre mim. Mas como sou hipersensível, as coisas têm às vezes um valor que a maioria das pessoas acha ridículo. Mas eu sou assim mesmo. Por exemplo, às vezes fico furiosa com uma pessoa cujo problema talvez, você contornasse com um simples puxão de orelha. Ao mesmo tempo, tomei agora consciência de que essa não é uma atitude lógica e estou procurando me reestruturar.

CL: Que é que tem feito de positivo em matéria de auto-reestruturação?

ER: Estou fazendo um tratamento genial que é, dizem moderníssimo – reflexologia.

CL: Em que consiste?

ER: Parte das descobertas dos reflexos condicionados de Pavlov. No meu caso, está sendo atacada de inicio a minha taquipsiquia, isto é, minha tendência de pensar mais rápido do que eu mesma posso agir. Portanto, quando as coisas chegam a acontecer, já tomaram proporções monstruosas, não na realidade, mas dentro de minha cuca.

CL: E como é que o médico intervém nesse sistema?

ER: Primeiro, mostrou que eu tenho essa tendência e provou que isso era verdade. E está agora me dando condições psíquicas para que eu saiba exatamente o momento em que a aranha da taquipsiquia começa a se movimentar, e como devo jogá-la para fora de casa.

CL: Você foi considerada má colega. Pelo que tenho lido a seu respeito, me parece pelo contrário: boa colega. O que é ser má colega?

ER: Bom, toda a minha vida disseram que fui má colega. Mas, enquanto eu dei quarenta no Ibope, tive um programa de televisão na mão e as pessoas puderam se sobressair. Utilizaram-se de todas as vantagens que a artista Elis Regina poderia lhes dar no momento. Nenhum artista dos que hoje me acusam de má colega deixou de comparecer e usufruir de meu programa e meu sucesso. Então, não sei mais quem foi e quem é má colega. Má colega, na minha opinião, é aquela que esconde seus parceiros. Eu, muito pelo contrário, nunca agi assim e fui criticadíssima porque no meu programa acontecia de tudo, sem que tenha havido uma estrutura prévia. Se eu fosse a déspota que dizem, no meu programa só daria eu. Mas acontece o oposto: quanto mais pessoas estiverem agregadas ao processo, melhor para mim. Seria mais cômodo ter minha gangue, e não trabalhar como trabalhei tanto tempo com gente diferente e de sucesso. Que os meus colegas digam que sou uma pessoa geniosa, dou a mão á palmatória. Mas mau caráter é quem cospe no prato em que comeu.

CL: Se você não pisasse no palco, o que faria de sua vida?

ER: Não sei. Realmente não tenho a menor idéia.

CL: Pense agora então.

ER: É que o palco está tão ligado a minha maneira de ser, a minha evolução, aos meus traumas, que eu acho que me separar do palco é a mesma coisa que castrar um garanhão: ele deixa de ter razão de existir.

CL: A vida tem sido boa para você?

ER: Muito boa. Acho até que eu tenho mais do que eu mereço ter. E não estou fazendo demagogia barata: acho isso mesmo.

CL: Você já esteve apaixonada? Se esteve, suas interpretações mudaram nesse período?

ER: A pessoa apaixonada se comporta completamente diferente em relação a tudo, principalmente sendo sensível como eu sou.

CL: É bom estar apaixonada?

ER: Bem melhor do que não sentir nada!

CL: Como é que você tem recebido os comentários negativos sobre Elis Regina?

ER: Procuro antes saber por que a pessoa falou isso. Depois, analiso se existe algum envolvimento pessoal na crítica. Faço a soma, tira a prova dos nove, e passo a limpo, se for o caso.

CL: Quando você entra em casa, com o tempo disponível, e põe um disco na vitrola, quem canta nesse disco?

ER: Frank Sinatra – responde Elis prontamente, sem hesitação.

CL: Dizem alguns que o seu show é o Miéle. Que é que você acha?

ER: Este “Show” é um conjunto de coisas. Talvez, mais do que Miéle, o “Show” seja Bôscoli. Isso no que diz respeito à parte dos bastidores. Agora, no palco, Miéle é o maior artista que já vi trabalhar em cena, além de que tudo o que ele faz é absolutamente natural: ele é assim. Sinto-me profundamente feliz de ter sabido escolher bem, mais uma vez, o meu parceiro de trabalho. Não se deve esquecer também, nas críticas, que eu sou a íntima conhecida de todo o mundo e que o Miéle é que é o novo no espetáculo. Sei que não sou nenhuma novidade. Mas estou feliz que a novidade seja exatamente Miéle, que é meu amigo, meu produtor, meu confidente e uma das poucas pessoas que me restituíram no pouco que lhes dei.



Estava mais ou menos encerrada a entrevista, se bem que esta pudesse se completar muito mais. Foi o que aconteceu quando Elis me deu carona no seu carro e conversou comigo. Infelizmente não posso transmitir a conversa, que me mostrou uma Elis Regina responsável, misteriosa nos seus sentimentos, delicada quanto aos sentimentos dos outros. Uma Elis Regina, enfim, que tem mais problemas do que o de ser acusada de mau coleguismo. Mostrou-me uma Elis Regina que não quer ferir ninguém. Se há outras Elis, no momento, não me foi dado ver. A que eu conheci tem uma espontaneidade e uma simpatia raras.

 

Revista Manchete, 1969
Livro: Entrevistas de Clarice Lispector
Editora Rocco, Río de Janeiro 2007

Elis Regina numa entrevista de Clarice Lispector

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